sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

João e Miles


João e Miles:
No Mesmo Lugar, Muito à frente.



Lorenzo Mammi
 [ Professor livre-docente do Departamento de Filosofia da FFLCH-USP]


A celebração dos 80 anos de João Gilberto proporciona certo desconforto. Não que ele não mereça. Mas a própria ideia de comemoração, com seu alarde festivo, não parece condizente com uma personalidade tão esquiva. Atrás de todas as páginas publicadas, memórias, artigos, testemunhos, fica a impressão de que ninguém sabe ao certo quem ele é. E que a expressão evasiva, quase abobalhada, com que pronuncia poucas frases em público é uma máscara com a qual consegue nos ludibriar há décadas. Ou não? E se sua figura, seu papel de referência para tudo o que foi produzido na música brasileira dos últimos 50 anos tiver crescido a tal ponto que já não admite um indivíduo atrás dela? João Gilberto virou uma espécie de entidade, mais do que um simples intérprete de canções, e entidades não fazem aniversário. Seu aniversário é o aniversário de um país, mais do que o de uma pessoa. E aí, seria o caso de investigar como isso se deu mais do que quem ele realmente é.

TEMPO De resto, se há alguém para o qual o tempo não passa, é ele. Há artistas que ficam presos a um momento glorioso e depois se repetem. Mas certamente não é esse o caso de João Gilberto: ao contrário, a repetição, a imobilidade nele parecem essenciais. Em sua forma geral, a bossa nova é um "loop", um movimento circular, que volta constantemente ao começo. Não tem propriamente exórdios e finais, evita cadências muito conclusivas. As introduções das canções parecem colhidas no meio de uma conversa já em andamento, e os finais sugerem quase sempre que a melhor coisa a fazer seria recomeçar tudo de novo -e, de fato, João Gilberto costuma repetir três ou quatro vezes a canção inteira. Assim como não há começo nem fim, tampouco há acontecimentos dentro da canção que possam sugerir um movimento progressivo. O recurso fundamental é o da elisão, ou seja, a arte de mostrar escondendo: esconder o contraste entre tempos fortes e fracos, não apenas arredondando o 2/4 do samba em 6/8, mas, sobretudo, na mítica batida de João, pela geração contínua de síncopas e síncopas de síncopas, de maneira que o pulso fundamental seja marcado pelas pausas, e não pelos acentos; elisão das transições harmônicas, pela multiplicação de acordes intermediários (no violão de João) ou por um uso sofisticadíssimo das vozes internas (no piano de Tom Jobim); elisão na melodia, que sugere uma curva que não chega a se realizar plenamente; e na emissão da voz, que parece buscar, mais do que o som, o silêncio.

CHET BAKER Muito se falou, e de vez em quando ainda se fala, de uma influência de Chet Baker sobre João Gilberto. De fato, foi Chet Baker quem introduziu no jazz o gosto da emissão vocal puríssima, quase sem timbre e sem dinâmica, "sottovoce". Mas as semelhanças são superficiais: atrás da voz do jazzista americano transparece a vontade de seduzir pela ternura e pelo aparente desprendimento -uma sedução antitética àquela afirmativa e atrevida de um Frank Sinatra, por exemplo, mas ainda uma sedução. Quando João Gilberto canta, em nenhum momento sentimos que está buscando um contato conosco. O sujeito já desapareceu, só ficou a canção -aí está a elisão suprema, aquela que justifica todas as outras. (Como intérprete, quem reintroduziu a busca de uma comunicação interpessoal na maneira de cantar de João Gilberto, fazendo a ponte com Chet Baker, foi Caetano Veloso; mas o que se revela no canto de Caetano, mais do que a voz do sedutor, é a voz do amigo: aquele que pode abordar qualquer assunto, mesmo o mais dolorido ou espinhoso, sem perder a dimensão do afeto.) A suspensão voluntária pela qual o sujeito se mostra ao se esvaecer, se oferece à vista (ou ao ouvido) enquanto se retira do mundo, talvez seja o significado essencial da bossa nova. Seu lugar de eleição é à beira-mar, dando as costas à cidade, mas sem entrar na água. Seu tempo é à tardinha, tarde demais para fazer alguma coisa, cedo demais para sair.
De resto, essa afirmação pela negação se reflete na personalidade dos protagonistas: Vinicius, poeta prestigiado e diplomata, que vai perdendo louros e gravata e que, mesmo depois de se tornar o maior letrista da música popular brasileira, parece constantemente tentado a se esconder atrás de parceiros menos conhecidos (de Jobim para Baden Powell, de Baden Powell para Toquinho); a timidez lendária de Jobim, sua melancolia congênita, sua vontade de se embrenhar no mato ("Águas de Março" é uma canção eufórica, mas não alegre, como bem mostrou Arthur Nestrovski); e João Gilberto, bem, este quase conseguiu a façanha de não existir.O mistério, no entanto, está no fato de esta poética da subtração, do quase não dito e não feito, ter sido um acontecimento cultural tão determinante, capaz de marcar com tamanha contundência a identidade brasileira moderna.Como pôde se tornar o maior ícone cultural de um país (porque é isso que João Gilberto é) um homem que só teima em desaparecer?

PROFISSIONALIZAÇÃO O vício da linearidade histórica nos leva a inserir a bossa nova num esquema desenvolvimentista: há o samba clássico, em seguida a influência do jazz, que gera a bossa nova, que abre o caminho à MPB, cada momento servindo de escada para o sucessivo. É um modelo fácil de decorar, mas que pouco explica. Há, de fato, um processo de progressiva profissionalização da música popular brasileira, já a partir da era do rádio, na década de 1930 -arranjos mais complexos, cantores mais aparelhados tecnicamente, um sistema de produção muito bem azeitado. Nos anos 1950, esse sistema já incorporara o jazz mais moderno, com Johnny Alf e Dick Farney, por exemplo. Mas a aparição de João Gilberto não foi apenas um passo à frente num caminho já traçado.
Nos primeiros álbuns, tirando as composições dos parceiros mais próximos (Jobim, Menescal, Lyra) e duas dele próprio (uma, vale ressaltar, que se autodefine como baião), poucas outras canções são incluídas, com um critério que, se não for fruto de uma estratégia consciente, é pelo menos índice de um gosto muito revelador.Os autores mais frequentados são Ary Barroso e Dorival Caymmi, aos quais se acrescenta, a partir de 1961, Geraldo Pereira. Pereira, que morrera em 1955, talvez fosse o herdeiro mais consistente do humor cirúrgico de Noel Rosa, não apenas nas letras, como também em seu fraseado peculiar, com um uso muito inventivo da síncopa.Caymmi colocara um estilo de composição muito arrojado a serviço de uma fala popular, aparentemente folclórica. E Ary Barroso era a expressão mais plena da autoconsciência técnica e poética da música popular brasileira, no auge da era do rádio.

MODERNIDADE Nenhum desses autores coincidia inteiramente com o ideal de modernidade da era JK, apesar da popularidade de que ainda gozavam. É como se João Gilberto, em plena febre desenvolvimentista, fosse procurar uma modernidade um pouco mais recuada, que já estava lá, e que, por sua vez, era baseada na releitura de uma tradição ainda mais antiga. O momento-chave, a meu ver, é a inclusão de "Aos Pés da Cruz", de Marino Pinto e Zé Gonçalves, em seu primeiro álbum, "Chega de Saudade". Se o público-alvo da bossa nova fosse apenas a classe média esclarecida da zona sul, como reza uma sociologia apressada, essa canção de versos católicos, carolas de tão recatados (apesar da citação de Pascal na segunda estrofe), ficaria deslocada. Por outro lado, talvez em nenhuma outra faixa do disco se torne mais evidente a capacidade do violão de João Gilberto de desmontar, analisar e remontar na hora, no próprio ato de executá-la, a estrutura harmônica de uma canção -justamente porque, provavelmente, essa era a melodia que menos se dispunha a isso. A bossa nova (Tom Jobim especialmente) gosta de formas musicais um pouco envelhecidas (modinha, valsa), e o estilo despojado e delicado de seus intérpretes talvez deva mais à maneira de os compositores de samba apresentarem suas canções em volta de uma mesa de bar ou num terreiro do que ao jazz de Chet Baker.

PASSADO DISSECADO Mas João Gilberto parece ir mais fundo, se alojando inteiramente numa dimensão da memória e extraindo dela as características de seu estilo inovador.Os acordes de seu violão não são novos por aparecerem como experimentação, mas por emergirem de um passado dissecado, levado à essência, revalorizado. As melodias já existem, trata-se de descobrir as harmonias delas.Não deixa de ser revelador que só haja uma canção americana entre as gravações dos primeiros anos, "I'm Looking over a Four-Leaf Clover" ("Trevo de Quatro Folhas"), e é uma composição antiga, de 1927, que se popularizou na década de 1930 pelos "cartoons" das "Merrie Melodies" - enfim, quase uma melodia infantil.O paradigma de "Chega de Saudade" insere, na projeção do país do futuro, uma modernidade que vem de trás. No fundo, é nesse momento, a partir do corte e da recuperação que a bossa nova opera, que se define o conceito de samba clássico e que a música popular brasileira começa a ter propriamente uma história. O curioso, no caso de João Gilberto, é que a descoberta da história comporta uma suspensão da história, a criação de um espaço mágico em que tudo é moderno ou pode sê-lo, e não há hierarquia. Provavelmente, se não houvesse "Aos Pés da Cruz" em "Chega de Saudade", não haveria "Coração Materno" em "Tropicália". Mas "Coração Materno" desempenha em "Tropicália" um papel muito específico, nas antípodas, por exemplo, de "Bat Macumba". "Aos Pés da Cruz" tem, em "Chega de Saudade", o mesmo estatuto que "Desafinado". As canções estão à mão, como objetos num quarto, num dia de feriado. Podem ser pegas a qualquer momento, manipuladas por um tempo indefinido, deixadas de lado de repente. Não são trabalho, muito menos espetáculo.

CONSUMO A década de 1950, e sobretudo os últimos anos, marca a transição da estética industrial da primeira metade do século 20 a outra, baseada no consumo. Como todos os momentos de transição, esse também abre espaços inesperados de liberdade ou, melhor dizendo, de felicidade. Já se viraram as costas às fábricas, mas ainda não se entrou no circo. E ainda não se sabe que o circo implica, ele também, exploração, regras rígidas, assentos numerados. A nova modernidade parece fluir sem esforço e, por isso mesmo, se parece com uma situação pré-moderna, não sistêmica, comunitária. Talvez o novo sempre tenha algo de primitivo. Mas o que se instaura nessa fase não é o primitivo selvagem das vanguardas históricas, que sugeria ruptura e revolução. É um primitivo doce, quase infantil, que sobrevive nos pontos mortos e nas horas vagas.
É uma utopia recorrente na época: quando as máquinas assumirem todas as tarefas, as hierarquias de valores vão se inverter. Tudo aquilo que é irrelevante passará a ser fundamental, porque é a outra face da vida, que o trabalho não contempla. Isso vale para o "nonsense", o tempo perdido, uma inflexão de voz que não pode ser quantificada e repetida, um sentimento que não visa à extroversão. Vale para tudo aquilo que é para nada.
Por alguma razão, o ideal brasileiro de modernidade se identificou com essa utopia de maneira mais profunda e persistente do que em outros países. E João Gilberto é sua mais perfeita expressão, inclusive pela teimosia em ficar nesse lugar indefinido -fora da fábrica, mas não dentro do circo.

MILES Contraprova. Se não tivesse morrido em 1991, Miles Davis faria 85 anos 15 dias antes do aniversário de João Gilberto. Em 1959, o mesmo ano de "Chega de Saudade", lançava "Kind of Blue", que muitos consideram o mais importante disco de jazz já gravado. Miles Davis já fora responsável por outras revoluções: com seu mítico quinteto (ele ao trompete, John Coltrane ao saxofone, Red Garland ao piano, Paul Chambers ao baixo, Philly Joe Jones na bateria), praticamente inventou o cool jazz. Com Gil Evans, revolucionou o estilo das big bands. No campo da música popular, a transição que tentei descrever tem nele seu maior protagonista. Nesse processo, contudo, "Kind of Blue" representa um ponto de volta, principalmente pela adoção sistemática da harmonia modal, que já experimentara ocasionalmente nos anos anteriores. Na harmonia tonal, a sequência de acordes é construída para "resolver" em determinadas notas, que são os pontos de apoio e de repouso da composição. Na harmonia modal, não há pontos de apoio privilegiados, as sequências não são direcionadas. Os acordes formam estruturas que permanecem, por assim dizer, em suspensão. A primeira faixa do disco, "So What?", baseada em apenas dois acordes, é o manifesto de quase todo o jazz e de muita música popular que estava por vir. Mas o modalismo não é apenas pós, é também pré-tonal: permite aproveitar todo o material de tradições étnicas ou populares não atingidas pela técnica tonal ocidental. Por um lado, a atitude e as inovações de Miles Davis faziam com que o jazz ultrapassasse o virtuosismo "operário" que ainda marcava a geração anterior (até nos maiores: Charlie Parker e Dizzy Gillespie) e adquirisse a concentração e a precisão técnica de uma experiência de laboratório; por outro, a partir de "Kind of Blue", os ritmos hipnóticos, as melodias circulares, os acordes não funcionais faziam emergir uma raiz africana que já não se confundia espontaneamente com o ritmo da produção industrial, como no jazz clássico.

CIENTISTA E XAMÃ Sempre mais, nos anos seguintes, Miles Davis tentou conjugar a alta tecnologia e o transe, o laboratório e a tribo, reivindicando para si, ao mesmo tempo, o papel do cientista e o do xamã. Mas a conciliação, nesse caso, não era tão fácil -aliás, talvez fosse irrealizável. Não havendo síntese possível no presente, era necessário apontar para o futuro, se colocar sempre um pouco mais além. Miles Davis é condenado a abrir caminhos, a estar sempre quilômetros à frente, "Miles Ahead", como reza o título de um álbum de 1957: como em "Bitches Brew" (1969), que inaugura o jazz fusion, ou em "Tutu" (1986), onde Miles contracena com apenas um músico (Marcus Miller) e uma floresta de sintetizadores. Mas todas essas gravações geniais, no fundo, apenas comentam e desdobram a intuição fundamental de 1959, a interrupção do fluxo do tempo pela síntese de dois acordes em que futuro e pré-história parecem coincidir por um instante. E, por um instante, não parece haver problema - so what?
Certamente, João Gilberto nunca teve a ambição de Miles Davis. Nunca se sentiu dilacerado entre um futuro inalcançável e uma raiz perdida. Para ele, um violão acústico é moderno o bastante, e as raízes estão bem aí, na Bahia, nos sambas um pouco envelhecidos, nas "Merry Melodies". Porém, fechando-se nesse microcosmo, conseguiu encontrar um ponto de equilíbrio igualmente perfeito, e dedicou a vida a preservá-lo. Na história do século 20, o fim da década de 1950 foi um dos períodos mais criativos, e não apenas no campo da música ("Acossado" de Godard, por exemplo, esta outra ode ao tempo parado, também é de 1959).Quase todos os movimentos artísticos posteriores nascem naquela época, naquele momento de suspensão que talvez ainda não tenhamos entendido plenamente -como se então a solução estivesse à mão, mas a deixamos escapar. Miles tentou reencontrá-la pelo resto da vida, sempre mais à frente. João permanece perto dela e se recusa a sair dali. Mas o tempo passa, em todo caso, e as memórias se tornam sempre mais longínquas, as celebrações sempre mais engessadas e automáticas. Talvez a melhor maneira de comemorar -se é que se pode comemorar uma vaga sensação de perda- fosse dar plena vazão às perguntas que há certo tempo rondam por aí: o que foi do jazz? O que será da canção?

Publicado Folha de S. Paulo, 10 de julho de 2011

João Gilberto e o Projeto Utópico da Bossa Nova



João Gilberto e o Projeto Utópico da Bossa Nova


Lorenzo Mammi




                  Surge a bossa nova e morre o botequim como lugar de criação da música popular. Aquela indistinção aparente, complementar à falta efetiva de mobilidade social, que aproximava Mário Reis e Sinhô, se esvanece. A nova música deve muito pouco ao samba do morro, muito mais, eventualmente, às lojas de discos importados que distribuíam Stan Kenton e Frank Sinatra. Sua postura em relação às influências internacionais é mais livre e solta, porque suas raízes sociais são mais claras e sua posição mais definida. Bossa nova é classe média, carioca. Ela sugere a idéia de uma vida sofisticada sem ser aristocrática, de um conforto que não se identifica com o poder. Nisto está sua novidade e sua força.
                 Mas aí está também seu ponto fraco. Nos Estados Unidos, um processo similar se verificou muito antes, em meados da década de 20, com a passagem do dixielandpara a era do swing. Naquele caso, porém, a perda da indefinição social, que caracterizara a prática musical em Nova Orleans, coincide com uma profissionalização radical dos músicos, fundamento de uma futuraburguesia negra culturalmente consciente. A organização interna da big band, na década de 30, repete a da fábrica, mas como que em negativo. A atividade do músico é altamente specializada, como a do operário na divisão taylorista do trabalho. O produto final, porém, não é o resultado da mera divisão de tarefas, e sim da adição de atos criadores. Duke Ellington e Count Basie, os melhores compositores swing, reescreviam continuamente os arranjos a partir da forma com que cada integrante da orquestra modificava espontaneamente sua parte. A descoberta desse ponto de encontro entre criação e trabalho acabou constituindo o fundamento de uma autoconsciência.
                 No Brasil o que acontece é o contrário: uma classe média tradicionalmente improdutiva reclama uma condição culturalmente mais rica, mais adequada a suas capacidades e ao refinamento de seu gosto. Isso a leva, quase à força, a se profissionalizar. Mas ela nunca se adapta completamente ao estatuto que o nível técnico alcançado exigiria, e a própria cultura que o produzira, como ensaio ou projeto mais do que como conquista realizada, recua depois de 1964. De fato, o abandono do amadorismo não foi, para a geração de "Chega de saudade", um processo necessário apoiado sobre uma estrutura produtiva sólida. Foi uma escolha de campo. A intimidade tão exibida dos shows de bossa nova, o excesso de apelidos carinhosos (Tonzinho, Joãozinho, Poetinha), tão contrastantes com a boemia cruel de Noel Rosa, esta necessidade contínua de confirmações afetivas — tudo isso talvez sinalize um mal-estar de quem ficou suspenso entre uma antiga sociabilidade, que se perdeu, e uma definição nova, mais racional e transparente, que não conseguiu se realizar. Ou talvez seja a forma com que a geração criadora do novo estilo resiste em se reconhecer produtiva, apresentando o seu mais rigoroso trabalho como um lazer, como o resultado ocasional de uma conversa de fim de noite.
                    Se ficasse por aí, seria pouco. Mas a bossa nova não foi apenas o produto de um momento feliz da história brasileira. Ela é aquele momento feliz, sua eternização, e com isso a possibilidade perpétua de retomar os fios interrompidos. Enquanto linguagem artística, mesmo que esteja ligada a um processo histórico que fracassou, seu êxito independe daquele fracasso. Nela, a hipótese não realizada se torna fundamento, ponto de partida de qualquer hipótese futura. O que diferencia a bossa nova da música norte-americana não é um defeito, uma falha na realização de um ideal (nesse caso, seus produtos não teriam um nível qualitativo comparável ao do jazz, como de fato têm). Há algo nela que as outras tradições musicais não possuem, e que exerce um fascínio sobre elas.
                                                       
                                                                                ***

                      O centro da bossa nova continua sendo, como para o samba, o canto. Sua intuição é lírica e, mesmo nos produtos mais sofisticados, exige que se acredite numa espécie de espontaneidade. Já o jazz, cuja intuição fundamental é de natureza técnica, privilegia o acorde. A harmonia de Tom Jobim é próxima à do jazz na morfologia, mas não na função. Para um jazzista, compor significa encontrar uma estrutura harmônica capaz de infinitas variações melódicas. Para Jobim, é encontrar uma melodia que não pode ser variada, já que ela é que é o centro estrutural da composição, mas pode ser colorida por infinitas nuances harmônicas. É por isso que as improvisações jazzísticas sobre temas de bossa nova produzem, em geral, uma incômoda sensação de inutilidade. Se a forma com que o cool jazz desenvolve os temas lembra a polifonia de Bach, e ainda mais os quartetos de Mozart, a música de Jobim pode ser aproximada à de Chopin, que apresenta a mesma autosuficiência do canto. As linhas melódicas do jazz são compactas, claramente seccionadas e organizadas em volta de centros tonais definidos. Na maioria dos casos, podem ser lidas como ornamentações da progressão harmônica. As melodias da bossa nova são compridas, complexas e livres. Não podem ser esquematizadas sem perder o caráter. Um exemplo bastante claro está em "Samba de uma nota só": o começo, como já foi observado muitas vezes, é um decalque de "Nigth and day", de Cole Porter. Mas enquanto o compositor americano continua variando o mesmo esquema harmônico,mediante frases curtas apoiadas sobre poucas notas-chave, Jobim faz desembocar a progressão numa sinuosa linha melódica descendente ("Quanta gente existe por aí que fala tanto e não diz nada etc."). Nenhum jazzista escreveria uma semelhante melodia, onde as notas caraterísticas não são as notas harmônicas — uma melodia que não pode ser simplificada e sobre a qual, portanto, é impossível improvisar.
Tom Jobim, profissional desde sempre, parece aceitar o pendor amadorístico da bossa nova como uma convenção do gênero, um elemento do estilo que não pode ser totalmente eliminado. O caráter oscilante, vago de suas orquestrações, o uso de instrumentos com ataque pouco definido, como as cordas e a flauta, não muito usados no jazz, a renúncia a explorar as possibilidades virtuosísticas dos corais, tudo isso é funcional para o predomínio absoluto da linha melódica, porque nega aos outros parâmetros a possibilidade de desenvolvimento autônomo. Já que a melodia diz todo o essencial, harmonizá-la, arranjá-la comporta sempre uma parcela de redundância. Todavia, esta redundância se tornará de certa forma funcional, porque a capacidade do canto de auto-sustentar-se se reconhece justamente no contraste entre uma linha melódica muito evoluída e o caráter quase atrofiado dos outros elementos da composição.
                        Nisso, Jobim se revela o melhor discípulo de Villa-Lobos, que fez da redundância um estilo. Mas é aqui que se infiltra, como aliás no autor das Bachianas,o veneno do amadorismo, a que o artista é condenado pela necessidade de não desvirtuar seu material. Porque a renúncia a desenvolver plenamente a obra em todos os seus aspectos é justamente o que carateriza o amador. Sobre esse impasse Jobim se mantém em equilíbrio, com indiscutível genialidade, há mais de trinta anos, resistindo às tentações complementares de um tecnicismo jazzístico e de uma vulgarização populista. Sem ele, a bossa nova seria uma expressão vaga, mais costume do que estilo.
                         João Gilberto é o caminho contrário. Sem passar pelo profissionalismo, ultrapassa-o, levando o caráter do diletante ao limite extremo da rarefação — pois é diletante também aquele que leva o acabamento do produto muito além das exigências do mercado. A perfeição de João Gilberto, nascendo não de um meio, mas de uma intransigência pessoal, carrega objetivamente os estigmas da obsessão. Não pertence à esfera do social, e sim àquela do ético, ou do psicológico. Daí o caráter de vida de santo que emana das anedotas sobre o cantor, como se se refletisse nele a imagem de um equilíbrio inesperadamente alcançado, e ao mesmo tempo se suspeitasse de que este só se deu por milagre, por um esforço místico ou, o que dá quase na mesma, por uma mania.
                           O ponto de partida continua sendo a auto-suficiência do canto. Mas, enquanto Jobim a cria mediante uma encenação, apresentando uma estrutura complexa só para fazê-la recuar, quase desaparecer, frente à linha melódica, João Gilberto tenta reproduzir na melodia todos os parâmetros do som, sem que por isso a voz se torne instrumento — ao contrário, aproximando sempre mais o canto à fala. É uma aspiração recorrente na música ocidental, colher a articulação com que a melodia se destaca da palavra, mas ainda manter uma ligação necessária com ela, encontrar o momento exato em que o canto adquire forma própria, sem que esta seja outra coisa além da forma do falar, sublimada. Em João Gilberto tudo isso parece alcançar uma realização. Em sua maneira de interpretar, o que caracteriza uma melodia não é a estrutura harmônica, que funciona apenas como um painel de fundo, nem o pulso, em contínuo rubato, nem mesmo a linha melódica, que é constantemente submetida a pequenas variações. A essência está em algo mais recuado, numa determinada inflexão da voz, no jeito de pronunciar uma sílaba que é comum à palavra e ao canto. Não por acaso, os únicos dois textos musicados de sua autoria se baseiam sobre assonâncias sem sentido: "Bim-bom" e "Oba-la-lá".
                          A tendência a transformar o ritmo 2/4 na pulsação mais macia de 6/8, que caracteriza a batida da bossa nova, é algo que se encontra constantemente na música brasileira. Mário de Andrade a observou na forma popular de cantar o hino nacional, e recentemente foi detectada até no barroco mineiro. A raiz, evidentemente, não está numa escolha estilística, mas na prosódia natural da língua, em que as vogais mais amplas e os ditongos assumem uma parte da função articuladora das consoantes, enquanto estas, principalmente as nasais e as líquidas, tendem a fundir-se com a vogal que as precede. É uma língua, para usar um termo da música antiga, cheia de "liquescências", isto é, sonoridades fluidas, cujos início e fim não podem ser definidos com clareza. Uma língua, portanto, que resiste às marcações rígidas, tentando arredondá-las. Esse aspecto, unido à tendência contrária e complementar a reforçar os acentos (sobretudo onde há uma seqüência de monossílabos), cria já na prosódia cotidiana um movimento sincopado.
                       O problema, portanto, é como utilizar numa estrutura musical uma prosódia tão caracterizada ritmicamente. Mário Reis resolvia a questão marcando cada acento, quase cada sílaba, com pequenas articulações, como golpes de palheta de um clarinete. Isso conferia às suas interpretações uma elegância peculiar, como se um riso leve corresse abaixo da melodia. Mas é um efeito secundário. A função principal é a de realçar com clareza a estrutura da melodia e do verso, sem mudar de dinâmica, como faziam os outros cantores da época, e sem utilizar o vibrato. Mário Reis segmentava as frases em células mínimas, cada uma marcada por um ataque. Nas últimas gravações, quando o envelhecimento da voz tornou difícil pronunciar todasestas articulações numa única emissão, ele canta constantemente em staccato, sílaba por sílaba, entremeadas por pausas.
                        Se João Gilberto aprendeu algo de Mário Reis, foi a precisão milimétrica. No restante, seu estilo é o oposto: procura a continuidade, não a segmentação. Alguns elementos desta maneira de cantar se encontram em Sylvia Telles, sem que se possa dizer quem tenha influenciado quem (as primeiras gravações da cantora são anteriores àquelas de Gilberto). Sylvia Telles utiliza o mesmo ritardando contínuo, com o que o canto se solta parcialmente da base rítmica, que é característico do estilo de João. A interpretação da cantora nas canções "Fotografia" (de Jobim) e "Primavera" (de Carlos Lyra) são exemplos claros disso. A diferença está em que, para Sylvia Telles, como para os românticos, o ritardando é ainda um elemento expressivo, serve para dramatizar a melodia.
                     A intuição fundamental de João Gilberto, ao contrário, é que este rubato pode ser empregado de forma não dramática, estrutural. Distribuindo os dois caracteres básicos e complementares da prosódia brasileira, acentuação marcada e articulação frouxa, em dois planos distintos, o da batida sincopada do violão e o da emissão vocal ininterrupta, João Gilberto cria uma dialética suficiente para transformar a melodia num organismo que se auto-sustenta, que não precisa de apoios externos para se desenvolver. Não podemos dizer, de fato, que o canto de João Gilberto se apóie sobre os acordes do acompanhamento. Muitas vezes, o que se ouve é o contrário, acordes pendurados no canto como roupas no fio de um varal. Na música erudita, a composição mais próxima a esse estilo é o Prélude à l'Après-midi d'un faune, de Debussy, sobretudo a primeira parte, onde a melodia é harmonizada repetidas vezes com acordes diferentes, que mudam sua cor sem mudar seu sentido.
                      Essa defasagem rítmica contínua mantém uma ligação forte com as inflexões da língua falada, porque como esta não pode ser calculada com exatidão, nem se deixa geometrizar completamente. Mas, entre o retardo da voz e a antecipação do violão, se cria um tempo médio que nunca é pronunciado, mas que é o que garante ao verso a essência musical e ao canto o ser poesia. Em outras palavras, a canção se constrói em volta de um tempo ideal ao qual pode aludir, mas que não pode desvelar. A mesma coisa acontece na relação entre a nota da melodia e o acorde que a acompanha: relação que é sempre de dissonância, mas que alude a uma consonância tão perfeita que nenhuma consonância concreta poderia expressá-la (de novo, vem à mente a música de Debussy, em que as dissonâncias são mais eufônicas e estáveis do que os acordes perfeitos).
                      Quanto ao timbre: ao que dizem, João começou imitando Orlando Silva. É uma influência difícil de ser detectada por quem, como eu, não ouviu as raríssimas gravações anteriores a "Chega de saudade". Um vibrato leve e belíssimo, que possui a preciosidade das coisas prestes a desaparecer, ainda se encontra nos primeiros LPs, por exemplo na terceira sílaba dos primeiros dois versos de "Oba-la-lá", no LP Chega de saudade, ou na sílaba final do verso "até você voltar", na faixa "Outra vez" de O amor, o sorriso e a flor (para João Gilberto devem se citar as sílabas, como na música erudita se citam os compassos). Em seguida, esse recurso não é mais utilizado. Função principal do vibrato é dar mais corpo a uma nota rítmica ou melodicamente importante. João Gilberto, porém, tenciona retirar da melodia qualquer corporeidade. Isso não significa que seu canto seja pobre timbristicamente. É que, em geral, a escolha do timbre tem nele uma função melódica, sugerindo por exemplo uma mudança de registro, da mesma forma que, em pintura, certa mudança de cor, sem nenhuma indicação de perspectiva, sugere profundidade. "Retrato em branco e preto", de Chico Buarque e Tom Jobim, é construída por frases compostas de intervalos pequenos, cuja seqüência se repete em registros sempre mais agudos.
                    No LP Amoroso, Gilberto utiliza três timbres diferentes para as notas agudas, as do registro central e as graves, mantendo, porém em cada timbre a maior uniformidade possível. Consegue assim acentuar os caracteres contrastantes que constituem o charme da canção: o tom desolado, quase de litania, das frases, e o claro-escuro dramático de seus saltos para o agudo e para o grave. Essa tendência se acentua nas gravações mais recentes: os intervalos melódicos tendem a ser substituídos gradativamente por mudanças de timbre. No último disco, João, a melodia de "You do something to me" de Cole Porter é comprimida numa textura menor do que a original, mas a variação das inflexões da voz cria a ilusão de um registro melódico completo. No mesmo disco, aliás, o cantor utiliza de forma virtuosística esse princípio quando, no final da canção "Eu sambo mesmo", reproduz o efeito de fade-out (que de regra é criado reduzindo gradativamente o volume da gravação) na repetição do último verso, mudando mais o timbre do que a dinâmica: as consoantes se tornam mais secas, os "esses" transformam-se em "zês" — João Gilberto executa tudo isso com a voz, produzindo a sensação não de um real distanciamento no espaço, mas da forma com que esse distanciamento é recriado em estúdio. O horizonte ideal do processo é um ponto em que seja suficiente falar com perfeição para que a linha melódica brote espontaneamente da palavra, uma vez encontrada a inflexão e a cor exata de cada sílaba.

                                                                       ***

                    Sem dúvida, a música norte-americana não conhece nada de parecido. Ali uma voz é tanto mais perfeita quanto mais se aproxima do instrumento, ainda que o intérprete recuse o virtuosismo em favor da pureza melódica: Chet Baker cantor imita o Chet Baker trompetista. Um movimento contrário, segundo o qual o canto se torna tanto mais perfeito quanto mais roça a indefinição da fala, introduziria uma vertigem do infinitesimal que é absolutamente estranha à cultura jazzística. A dissonância no jazz é metáfora, isto é, nota que substitui a nota originária, reforçando de alguma forma seu significado; a dissonância para João Gilberto é litote, negação da negação de uma consonância. A síncope do jazz confirma o tempo forte; a de João Gilberto relativiza-o, cria uma suspensão temporal. O timbre do jazz é luxo (realça a linha melódica), o de João Gilberto é economia (a substitui). O pulso da bossa nova, como aliás o do samba, não pôde ser incorporado às linguagens derivadas do jazz com a mesma facilidade de outros ritmos sul-americanos. O reggae, por exemplo, que hoje é utilizado extensivamente nos arranjos de rock, não representa uma novidade substancial: ele simplesmente acentua todos os tempos fracos, da mesma forma como o rock acentuava todos os tempos fortes. No pulso da bossa nova, ao contrário, a própria oposição forte/fraco é relativizada, se torna fluida, como se o tempo ainda não fosse solidificado num movimento mecânico, e deixasse espaço a variantes individuais. O pulso da bossa nova, e sobretudo o de João Gilberto, é uma pulsação doméstica, o correr indefinido das horas em que ficamos em casa.
                     Grandes metrópoles não produtivas comportam, em geral, uma fratura nítida entre interior e exterior, sociabilidade tribal na rua e isolamento familiar no lugar de moradia — como diafragma, uma porta que é suficiente fechar. Às duas realidades correspondem dois comportamentos musicais distintos, um exuberante, o outro intimista. Em Nápoles, ao lado da tammuriata e da tarantella, destinadas à socialização, existe o estilo delicado, interior, de cantores como Roberto Murolo. Algo parecido se encontra nos países árabes, na oposição entre uma música orgiástica, ligada às percussões e aos sopros, e a elegância sofisticada dos virtuoses de alaúde, escondidos no paraíso de seus pátios. O Rio de Janeiro cultiva, ao lado das marchas de carnaval, o samba sussurrado e melancólico que se canta entre amigos num quintal, e que tem em Paulinho da Viola seu poeta mais recente. Deste ponto de vista, a música brasileira fala de uma experiência diferente da dos Estados Unidos, onde a vida particular é sempre uma forma de treino para a vida pública. A peça que os músicos improvisam depois do concerto é experimento para a próxima apresentação, e até uma canção executada numa festa de aniversário tende a ser apresentada como num show profissional. Um concerto de João Gilberto, ao contrário, mesmo num estádio, mantém algo de uma reunião de apartamento, em que se pede ao convidado uma canção (com o risco, inclusive, de que não cante).
                       Em 1940, John Cage compôs uma peça chamada Living room music, em que era utilizado como percussão tudo o que poderia se encontrar numa sala de estar: livros, jornais, móveis, janelas, portas. Desta forma, tudo o que fora simplesmente ambiente se tornava meio de comunicação, a casa virava sala de concerto, o gesto e os objetos mais íntimos entravam no fluxo de uma sociedade global. A utopia de João Gilberto é oposta. Quando, segundo anedotas muitas vezes narradas, experimenta por dias seguidos a reverberação dos azulejos do banheiro da casa de uma tia em Diamantina; quando obriga os amigos a se colocarem em pontos estratégicos de um corredor, para avaliar até que ponto ele pode cantar baixo; quando leva ao estúdio de gravação um tapete persa, porque soa melhor do que o carpete; em todos estes casos, o que João defende é a qualidade do som, não mensurável nem funcional, aquela que faz com que cantemos de preferência no banheiro, sem saber que é por causa da reverberação dos azulejos, ou que nos faz saborear a vibração que um som produz na garganta, antes mesmo de ser emitido. São caracteres residuais, incontroláveis; mas para reproduzi-los num equivalente técnico, o som gravado, é preciso um autocontrole extraordinário. Física e musicalmente, João Gilberto não sai de casa. É uma atitude que em geral seria rotulada como regressiva. Contudo, sua música se projeta no futuro, possui uma carga utópica. Até um comercial de televisão, cantado por ele, comunica uma sensação de temporalidade suspensa que não é ócio, mas uma atividade que se produz naturalmente, sem sofrimento ou esforço, como por emanação. Nela, a dimensão afetiva das palavras supera a funcional em exatidão e em capacidade propositiva. O caráter indefinido, impressionístico, com que pensávamos uma melodia sem cantá-la, de repente o reencontramos nítido, objetivo, mas ainda indefinível e íntimo, numa gravação de João Gilberto. Se o jazz é vontade de potência, a bossa nova é promessa de felicidade. No final das contas, Proust também nunca saía do quarto.


Lorenzo Mammì  [Professor  livre-docente de Filosofia no Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas  da Universidade de São Paulo] - Novos Estudos CEBRAP N° 34, novembro 1992.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

O Passeio do Esquizo


                                            O Passeio do Esquizo

                                                   [via Lenz- Artaud- Beckett]


               "O perigo está algures. Se o desejo é recalcado  é porque toda posição de desejo, tão pequena que possa ser, tem que por em questão a ordem estabelecida  de uma sociedade: não que o desejo seja a-social, ao contrário. Mas ele é perturbador. Não há máquina desejante que possa ser colocada  sem fazer saltar os setores  sociais inteiros. Que pensem nisso alguns  revolucionários, o desejo é em sua essência  revolucionário,- o desejo, não a festa!-,  e nenhuma sociedade pode suportar  uma posição de desejo  verdadeiro sem que suas estruturas de exploração , de escravização e de hierarquia  sejam comprometidas." [Deleuze- Guatarri. L'Anti-Oedipe, p. 141]

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

JORGE LUIS BORGES - O OUTRO

                                                    O OUTRO

O fato ocorreu no mês de fevereiro de 1969, ao norte de Boston, em Cambridge. Não o escrevi imediatamente, porque meu primeiro propósito foi esquecê-lo para não perder a razão. Agora, em 1972, penso que, se o escrevo, os outros o lerão como um conto e, com os anos, o será talvez para mim. Sei que foi quase atroz enquanto durou e mais ainda durante as noites desveladas que o seguiram. Isto não significa que seu relato possa comover a um terceiro. Seriam dez da manhã. Eu estava recostado em um banco, defronte ao rio Charles. A uns quinhentos metros à minha direita havia um alto edifício cujo nome nunca soube. A água cinzenta carregava grandes pedaços de gelo. Inevitavelmente, o rio fez com que eu pensasse no tempo. A milenar imagem de Heráclito. Eu havia dormido bem; minha aula da tarde anterior havia conseguido, creio, interessar aos alunos. Não havia ninguém à vista. Senti, de repente, a impressão (que, segundo os psicólogos, corresponde aos estados de fadiga) de já ter vivido aquele momento. Na outra ponta de meu banco, alguém se havia sentado. Teria preferido estar só, mas não quis levantar em seguida, para não me mostrar descortês. O outro se havia posto a assobiar. Foi então que ocorreu a primeira das muitas inquietações dessa manhã. O que assobiava, o que tentava assobiar (nunca fui muito entoado), era o estilo crioulo de La Tapera de Elias Regules. O estilo me reconduziu a um pátio lá desaparecido e à memória de Álvaro Mellián Lafinur, morto há muitos anos. Logo vieram as palavras. Eram as da décima do princípio. A voz não era a de Álvaro, mas queria parecer-se com a de Álvaro. Reconheci-a com horror.
Aproximei-me e disse-lhe:
- O senhor é oriental ou argentino?
- Argentino, mas desde o ano de 1914 vivo em Genebra
- foi a resposta.
Houve um silêncio longo. Perguntei-lhe:
- No número dezessete da Malagnou, em frente à igreja russa?
Respondeu-me que sim.
- Neste caso - disse-lhe resolutamente
- o senhor se chama Jorge Luis Borges. Eu também sou Jorge Luis Borges. Estamos em 1969, na cidade de Cambridge.
- Não - respondeu-me com a minha própria voz um pouco distante. Ao fim de um tempo insistiu:
- Eu estou aqui em Genebra, em um banco, a alguns passos do Ródano. 0 estranho é que nos parecemos, mas o senhor é muito mais velho, com a cabeça grisalha.
Respondi:
- Posso te provar que não minto. Vou te dizer coisas que um desconhecido não pode saber. Lá em casa há uma cuia de prata com um pé de serpentes, que nosso bisavô trouxe do Peru. Há também uma bacia de prata que pendia do arção. No armário do teu quarto, há duas filas de livros. Os três volumes das Mil e Uma Noites de Lane, com gravações em aço e notas em corpo menor entre os capítulos, o dicionário latino de Quicherat, a Germania de Tácito em latim e na versão de Gordon, um Dom Quixote da casa Garnier, as Tábuas de Sangue de Rivera Indarte, o Sartor Resartus de Carlyle, uma biografia de Amiel e, escondido atrás dos demais, um livro em brochura sobre os costumes sexuais dos povos balcânicos. Não esqueci tampouco um entardecer em um primeiro andar da praça Dubourg.
- Dufour - corrigiu.
- Está bem. Dufour. Te basta, tudo isto?
- Não - respondeu.
- Essas provas não provam nada. Se eu estou sonhando, é natural que eu saiba o que sei. Seu catálogo prolixo é totalmente vão.
A objeção era justa.
Respondi:
- Se esta manhã e este encontro são sonhos, cada um de nós dois tem que pensar que o sonhador é ele. Talvez deixemos de sonhar, talvez não. Nossa evidente obrigação, enquanto isto, é aceitar o sonho, como aceitamos o universo e termos sido engendrados e olharmos com os olhos e respirarmos.
- E se o sonho durasse? - disse com ansiedade. Para tranqüilizá-lo e me tranqüilizar, fingi uma serenidade que certamente eu não sentia.
Disse-lhe:
- Meu sonho já durou setenta anos. Afinal de contas, ao rememorar, não há pessoa que não se encontre consigo mesma. É o que nos está, acontecendo agora, só que somos dois. Não queres saber alguma coisa de meu passado, que é o futuro que te espera?Assentiu sem uma palavra. Prossegui, um pouco perdido:
- A mão está saudável e bem, em sua casa de Charcas y Maipú, em Buenos Aires, mas o pai morreu há uns trinta anos. Morreu do coração. Uma hemiplegia o liquidou; a mão esquerda posta sobre a mão direita era como a mão de uma criança posta sobre a mão de um gigante. Morreu com impaciência de morrer, mas sem uma queixa. Nossa avó havia morrido na mesma casa. Alguns dias antes do fim chamou-nos a todos e disse-nos: '"Sou uma mulher muito velha que está morrendo muito devagar. Que ninguém se perturbe por uma coisa tão comum e corrente". Norah, tua irmã, se casou e tem dois filhos. A propósito, em casa como estão?
- Bem. O pai sempre com seus gracejos contra a fé. Ontem à noite disse que Jesus era como os gaúchos que não querem se comprometer e que, por isto, pregava através de parábolas.
Vacilou e disse:
- E o senhor? - Não sei o número de livros que escreverás, mas sei que são demasiados. Escreverás poesias que te darão uma satisfação não partilhada e contos de índole fantástica. Darás aulas como teu pai e como tantos outros de nosso sangue.Agradou-me que nada perguntasse sobre o fracasso ou êxito dos livros.
Mudei de tom e prossegui:
- No que se refere à História... Houve outra guerra, quase entre os mesmos antagonistas. A França não tardou a capitular; a Inglaterra e a América travaram contra um ditador alemão, que se chamava Hitler, a cíclica batalha de Waterloo. Buenos Aires, ao redor de mil novecentos e quarenta e seis, engendrou outro Rosas, bastante parecido com nosso parente. Em cinqüenta e cinco, a província de Córdoba nos salvou, como antes Entre Rios. Agora, as coisas andam mal. A Rússia está se apoderando do planeta; a América, travada pela superstição da democracia, não se resolve a ser um império. Cada dia que passa nosso país está mais provinciano, Mais provinciano e mais presunçoso, como se fechasse os olhos. Não me surpreenderia se o ensino do latim fosse substituído pelo do guarani. Notei que mal me prestava atenção. O medo elementar do impossível, e no entanto certo, o aterrorizava. Eu, que não fui pai, senti por esse pobre moço, mais íntimo que um filho da minha carne, uma onda de amor. Vi que apertava entre as mãos um livro.
Perguntei-lhe o que era.
- Os possessos ou, segundo creio, Os Demônios, de Feodor Dostoiewski
- me replicou não sem vaidade.
- Já o esqueci. Que tal é? Nem bem o disse, senti que a pergunta era uma blasfêmia.
- O mestre russo - sentenciou - penetrou mais que ninguém nos labirintos da alma eslava. Essa tentativa retórica me pareceu uma prova de que se havia acalmado. Perguntei-lhe que outros volumes do mestre havia percorrido. Enumerou dois ou três, entre eles O Sósia. Perguntei-lhe se, ao lê-los, distinguia bem as personagens, como no caso de Joseph Conrad, e se pensava prosseguir o exame da obra completa.
- A verdade é que não - respondeu-me com uma certa surpresa.Perguntei-lhe o que estava escrevendo e disse que preparava um livro de versos que se chamaria Os hinos vermelhos. Também havia pensado em Os ritmos vermelhos.
- Por que não? - disse-lhe.
- Podes alegar bons anteceden-tes. O verso azul de Rubén Darío e a canção gris de Verlaine. Sem me fazer caso, esclareceu que seu livro contaria a fraternidade entre todos os homens. O poeta de nosso tempo não pode voltar as costas à sua época. Fiquei pensando e perguntei-lhe se verdadeiramente se sentia irmão de todos. Por exemplo, de todos os empresários de pompas fúnebres, de todos os carteiros, de todos os escafandristas, de todos os que vivem nas casas de números pares, de todos os afônicos, etc. Disse-me que seu livro se referia à grande massa dos oprimidos e dos párias.
- Tua massa de oprimidos e párias - respondi - não é mais que uma abstração. Só os indivíduos existem, se é que existe alguém. O homem de ontem não é o homem de hoje, sentenciou algum grego. Nós dois, neste banco de Genebra ou Cambridge, somos talvez a prova. Salvo nas severas páginas da História, os fatos memoráveis prescindem de frases memoráveis. Um homem a ponto de morrer quer se lembrar de uma gravura entrevista na infância; os soldados que estão por entrar na batalha falam do barro ou do sargento. Nossa situação era única e, francamente, não estávamos preparados. Falamos, fatalmente, de literatura; temo não haver dito outras coisas que as que costumo dizer aos jornalistas. Meu alter ego acreditava na invenção ou descobrimento de metáforas novas; eu, nas que correspondem a afinidades íntimas e notórias e que nossa imaginação já aceitou. A velhice dos homens e o acaso, os sonhos e a vida, o correr do tempo e da água. Expus-lhe esta opinião que haveria de expor em um livro anos depois. Quase não me escutava. De repente, disse:
- Se o senhor foi eu, como explicar que tenha esquecido seu encontro com um senhor de idade que, em 1918, lhe disse que ele também era Borges? Não havia pensado nessa dificuldade. Respondi, sem convicção:
- Talvez o fato tenha sido tão estranho que eu tenha tratado de esquecê-lo. Aventurou uma tímida pergunta:
- Como anda sua memória? Compreendi que, para um moço que não havia feito vinte anos, um homem de mais de setenta era quase um morto.
Respondi:
- Costuma parecer-se com o esquecimento, mas ainda encontra o que lhe pedem. Estou estudando anglo-saxão e não sou o último da classe. Nossa conversação já havia durado demais para ser a de um sonho.
Uma súbita idéia me ocorreu.
- Eu posso te provar imediatamente - disse-lhe - que não estás sonhando comigo. Ouve bem este verso, que nunca leste, que eu me lembre. Lentamente entoei o famoso verso: L'hydre - univers tordant son corps ecaillé d'astres. Senti seu quase temeroso estupor. Repetiu-o em voz baixa saboreando cada resplandescente palavra.
- É verdade - balbuciou - Eu não poderei nunca escrever um verso como este. Antes, ele havia repetido com fervor, agora recordo, aquela breve peça em que Walt Whitman rememora uma noite compartilhada diante do mar em que foi realmente feliz.
- Se Whitman a cantou - observei - é porque a desejava e não aconteceu. O poema ganha se não adivinhamos que é a manifestação de um anelo. Não a história de um fato.
Ficou a me olhar.
- O senhor não o conhece - exclamou.- Whitman é incapaz de mentir. Meio século não passa em vão. Sob nossa conversação de pessoas de leitura miscelânea e de gostos diversos, compreendi que não podíamos nos entender. Éramos demasiado diferentes e demasiado parecidos. Não podíamos nos enganar, o que torna o diálogo difícil. Cada um de nós dois era o arremedo caricaturesco do outro. A situação era anormal demais para durar muito mais tempo. Aconselhar ou discutir era inútil, porque seu inevitável destino era ser o que sou. De repente, lembrei uma fantasia de Coleridge. Alguém sonha que atravessa o paraíso e lhe dão como prova uma flor. Ao despertar, ali esta a flor. Ocorreu-me artifício semelhante
- Ouve - disse-lhe -, tens algum dinheiro?
- Sim me replicou. - Tenho uns vinte francos. Esta noite convidei Simón Jichlinski ao Crocodile.
- Diz a Simón que exercerá a medicina em Carouge e que fará muito bem... aqora, me dá uma de tua moedas. Tirou três escudos de poeta e umas peças menores. Sem compreender, me ofereceu um dos primeiros. Eu lhe estendi uma dessas imprudentes notas americanas que têm valor muito diferente e o mesmo tamanho.
Examinou-a com avidez.
- Não pode ser - gritou. - Leva a data de mil novecentos e sessenta e quatro. (Meses depois, alguém me disse que as notas de banco não levam data.)
- Tudo isto é um milagre - conseguiu dizer - e o milagroso dá medo. Os que foram testemunhas da ressurreição de Lázaro terão ficado horrorizados. Não mudamos nada, pensei. Sempre as referências livrescas. Fez a nota em pedaços e guardou a moeda. Eu resolvi lançá-la ao rio. O arco do escudo de praia perdendo-se no rio de prata teria conferido à minha história uma imagem vivida, mas a sorte não quis assim. Respondi que o sobrenatural, se ocorre duas vezes, deixa de ser aterrador. Propus a ele que nos víssemos no dia seguinte, nesse mesmo banco que está em dois tempos e dois lugares. Assentiu logo e me disse, sem olhar o relógio, que já era tarde. Os dois mentíamos e cada qual sabia que seu interlocutor estava mentindo. Disse-lhe que viriam me buscar.
- Buscá-lo? - interrogou.
- Sim. Quando alcançares a minha idade, terás perdido a visão quase por completo. Verás a cor amarela, sombras e luzes. Não te preocupes. A cegueira gradual não é uma coisa trágica. É como um lento entardecer de verão. Despedimo-nos sem nos termos tocado. No dia seguinte, não fui. O outro tampouco terá ido. Meditei muito sobe esse encontro, que não contei a ninguém. Creio ter descoberto a chave. O encontro foi real, mas o outro conversou comigo em um sonho e foi assim que pude me esquecer.
Eu conversei com ele na vigília e a lembrança ainda me atormenta. O outro me sonhou, mas não me sonhou rigorosamente. Sonhou, agora o entendo, a impossível data no dólar. 


Tradução de Lígia Morrone Averbuck

terça-feira, 30 de outubro de 2012

EXISTE PULSAR EM SP!

                                                EXISTE PULSAR EM SP!


São Paulo: túmulo moraesiano e aurora mutante do samba.
Vejo teu rosto trágico por entre as ruas sinuosas da cidade.
No sorriso largo da criança descalça correndo atrás da bola.
Na chuva a lavar os restos de outro acidente acontecido.
No ébrio ar da moça linda refletido nas cervejas
bebidas na boêmia alternativa dos bares da Augusta.
Nos garotos concentrados discutindo Straub, Godard
e Mallarmé à sombra das árvores da praça do Relógio.
Te vejo nos olhos imersos em solidão e silêncio da menina
a procurar, entre as outras mesas, alguém que possa sentar
olhar, dizer, ouvir e dar sentido pleno a toda a sua adolescidade.
Te vejo no bemol que delineia esta voz embargada 
a cartografar a sua tragicidade por entre estes prédios imensos.

Te vejo, sobretudo,

Nas sombras do que nós ainda não conseguimos superar:
Nas sombras de Caetano que nos incitam a ter mais sede de tudo.
Nos Baianos que com seu delírio universal nos mostraram o caminho.
Dos Campos que nos deram a ideia de novas possíveis construções.
Na sutileza de João que nos abriu todas as vias do possível.
Na nossa capacidade singular de fazer reluzir todas as nossas misérias.

Te vejo, enfim, refletida nos meus olhos a ver a cidade, - coração-do-Brasil-, 
a pressentir algo prestes a surgir e pelo qual anseia desesperadamente.


"Inelutável modalidade do visível.

Fecha os olhos
 e

 vê"[!]


sábado, 20 de outubro de 2012

Marie-France Pisier




                                    Marie-France Pisier 

                                   (Dalat, 10 de maio de 1944 - Saint-Cyr-sur-Mer, 24 de abril de 2011)




                     Há tantos anos a vejo e a sua força não perdeu a capacidade de cristalizar todas as direções possíveis contidas nos sonhos para lá das paredes deste quarto.

                     A cada vez que a vejo, percebo uma vez mais que ela é a unica que consegue carregar de tal modo o meu olhar que me paraliso diante de cada gesto, diante do vasto mundo que se esconde atrás de cada olhar, a expressão anímica contida na posição da boca.

                     Contudo, ela já se foi e hoje me ponho a pensar naquela antiga frase de Caetano.



                              "Nine out of ten movie stars make me cry [....]"




    




sexta-feira, 6 de abril de 2012

Variações sobre intercorrências da Sé em metástase


Variações sobre intercorrências da Sé em metástase



Impelido pelas sombras e às sombras novamente lançado,
Deslizo nesta máquina-carrossel-urbano.
Com olhos carregados e lábios secos,
Visões de uma distopia degradada, me surgem:
Corpos interpenetrados por seus dispositivos móveis.
Olhos, ouvidos, narizes e bocas brilham os seus feixes de luz neon.



Um verso de Carlos me transpassa:
“Posso, sem armas, revoltar-me?”
Ao transladar isto às planícies do abismo
Onde as crianças dançam ao redor de seus cadáveres,
Seria mais conveniente dizer:
É [ainda] possível revoltar-se?


Planícies verdejantes já não são vistas pelas janelas.
No entanto, agradáveis e singelas montanhas se denotam ao longe, surpreendentemente.
E, novamente, desaparecem.
Mas, aqui, as crianças ainda voltam-se para os seus mortos.
Cantam e dançam entusiasmadas perante a sua sombra.
Sobretudo, estão cegos ante a nivelização dos pesos da balança.
-Apenas um tremor e isto estaria totalmente ameaçado!
A ruidosa paz daria espaço a obcecadas pesquisas por novas planícies.
Penso. E um fio de sorriso me surge nos lábios.




Braços surgem do seio da multidão
E agarram-se ao poste onde me finquei.
E, junto com os braços, seus olhos fixam-se naquilo que os tange
Incessantemente.


Embora isto seja um tanto confuso e desconexo.
Minhas palavras parecem ser sussurradas ao ouvido num canto de noite.
E necessitam ser cavadas o mais rápido possível
Para desvelar o liame que as fazem jazer comumente.
No entanto, são postergadas a dias restantes
E preenchem
              uma vez mais
                           outra folha
   deste
                    bloco
                                                                                         de
        notas
                                               virtual.
                       Talvez
                                                              Feliz
                                    Men
                                                                                               Te.


               Ou
                                                                                                                                                 Não.